A Joana é a
mulher com quem eu escolhi viver... e os Blur... Os Blur são, no mínimo, a
melhor banda da atualidade. Melhores que... Nem vale a pena continuar. Essa
coisa de comparar os Blur com os Oasis é um truque comercial desesperado, tendo
em vista a promoção dos segundos. Não há aqui Beatles e Rolling Stones.. É como
confundir o artista plástico com o calceteiro. Os Blur são grandes. E os Oasis
são uns tipos que andam para aí. Não há rivais à altura. Inclusive, o começo
dos Blur é superior ao dos Beatles. Exagero? Então comparem Leisure com Please,
Please, Please me.
Quando soube que
os Blur iam atuar a Madrid, tratei de garantir que eu era um dos 3560
espectadores presentes na sala. Desse por onde desse. Custasse o que custasse.
Em escudos, euros ou pesetas. Telefonei ao Nico, o cúmplice do costume. Alinhou
na viagem. Eu predispus-me a pagar a gasolina. Ele as portagens. Marcámos a
hora... Só depois avisei a Joana.
A vida é feita de
pequenos dilemas, mas aquele era particularmente delicado.
Deixei-a partir
para o trabalho e fiquei ali sentado naquela indecisão. Com 365 dias no ano,
porque raio é que ela tinha que nascer exactamente no mesmo dia do concerto dos
Blur? É mau feitio. À noite haveria um jantar com os pais dela. E com os meus
pais. E a avó. E a tia que veio dos Açores.
Os dois pratos na
balança. O jantar de família e os Blur. Os Blur e o jantar de família. Em que
ficamos?
- Estás pronto,
Nico?
*
Já sabia que os
espanhóis eram barulhentos. Mas nunca os imaginei tão malcomportados. Quando o
espetáculo começa, continua a ouvir-se aquele burburinho entre o “vale vale” e
o “hombre”. Ostia, tive que ligar o meu silenciómetro, abstrair-me dos
comentários corrosivos e concentrar-me de corpo e alma nas canções. Brilhante Boys
& Girls. Brilhante Country House. Brilhante There’s no other
way – não há amor como o primeiro. Subitamente, de forma inexplicável, Damon
Albarn, começou a entoar Birthday, um tema esquecido do primeiro álbum.
Porque o fez? Ainda hoje não sei. Na altura soou-me como um sinal dos céus.
Cantou de forma
soberba e sussurrante as palavras de azedo lilás.
It’s my birthday,
no one’s here today
I don’t like these days
they make me feel so small
Aquela música
descobriu o canal que liga os meus ouvidos a compartimentos adormecidos do
coração. E desentupiu-o. Senti o remorso, que se converteu em saudade, e
culminou numa vontade irresistível de regressar. Nem quis ouvir Song 2,
nem outros êxitos recentes. O Nico ficou para ali a saltar eufórico entre
“vales” e “de putamadres” e enquanto eu deixava a sala, sem me preocupar com o
seu regresso à pátria. Nunca me imaginei capaz de abandonar um concerto dos
Blur a meio, mas foi o que fiz. Tudo por uma imensa vontade de beijar a Joana,
de mergulhar no silêncio dos seus lábios, do seu meio-sorriso e ar zangado.
Joana banana vai
para a cama de pijama.
Parti sem olhar
para trás. Meti-me no carro e viajei para Lisboa. Prego a fundo. A ouvir
repetidamente o último álbum dos Blur. Madrid é tão longe. Por auto-estradas
que nos aproximem e fronteiras que se desfaçam haverá sempre 600 quilómetros a
separar-nos. Corro ao sabor do tempo, inspirado em memórias de olhares.
Como pude ser tão
estúpido. Como a pude deixar sozinha com os meus pais, a avó, a tia dos
Açores...
Voei pela
auto-estrada. Tão rápido que nenhum carro da brigada teria audácia para me
perseguir. E finalmente, no romper da madrugada, cheguei a Lisboa.
Desesperadamente cheguei a Lisboa. Deixei o carro à balda e, intranquilo, sem
paciência para elevadores, esgueirei-me pelas escadas.
- Joana, Joana –
rodei o trinco a gritar – Joana!
Um silêncio
povoava o vazio. E eu perdi-me, passando a pente-fino todas as divisões que
conhecia de cor. Nada. Nada de nada. Zero.
Até que,
ofegante, reparei que, em cima da cama desfeita, repousava um papelinho sem
importância, com um recado escrito. Dizia:
- Fui com a
Amanda, ver o concerto dos Oasis, ao Sudoeste.
Oh Mornig Glory, that’s another story.
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